As hipóteses de dispensa por justa causa estão enumeradas no art. 482
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), documento legal que
regulamenta as relações trabalhistas. Abaixo, procura-se “traduzir” para
uma linguagem acessível estas hipóteses:
- ato de improbidade: abrange condutas interpretáveis como contrárias às regras jurídicas e mesmo a algumas regras morais que se imagina deverem ser observados numa relação de trabalho (por exemplo, a falsificação de documentos ou assinaturas, a tentativa de utilização de atestado médico falso para justificar falta ao trabalho, furto de objetos das empresa, mentiras que possam prejudicar o desempenho de um equipe ou comprometer o ambiente de trabalho, etc);
- incontinência de conduta ou mau procedimento: aqui se costumam incluir posturas interpretadas como inaceitáveis num grupo social (qualquer tipo de assédio no ambiente de trabalho, por exemplo, utilização de entorpecentes durante o expediente). Os termos são vagos e estão sujeitos interpretações bastante elásticas, havendo casos em que se interpreta como mau procedimento, por exemplo, a utilização de automóvel da empresa para fins pessoais;
- negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, quando dela resultar fortalecimento da concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial aos resultados visados pela empresa/empregador (no caso, atuar “por fora” da empresa como concorrente dela ou praticar “negócios” em interesse próprio e alheio à atividade da empresa/do empregador no ambiente de trabalho);
- condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena (isto é: se o empregado for considerado judicialmente culpado por algum crime e não tiver direito a recorrer da decisão);
- desídia no desempenho das respectivas funções (descaso e preguiça, não cumprimento reiterado de prazos e metas, entrega de tarefas incompletas, faltas sucessivas não justificadas);
- embriaguez habitual ou em serviço (atenção: não é apenas o fato de beber em serviço, mas sim o de estar bêbado. Portanto, se o trabalhador chega bêbado ao ambiente de trabalho, o empregador pode entender ter motivo para dispensá-lo, ainda que nenhuma latinha de cerveja tenha sido aberta durante o expediente: deve-se, dentre outros elementos, avaliar o quanto a conduta do empregado interfere no seu desempenho e na de sua equipe de trabalho). Aqui deve-se salientar que não são raras as decisões judiciais que afastam a qualificação de “embriaguez” como justa causa, nas hipóteses em que se puder demonstrar que se trata de problema interpretável como doença (alcoolismo);
- violação de segredo da empresa (divulgar informações sigilosas, de modo não autorizado);
- ato de indisciplina ou de insubordinação (gritar injustificadamente com o chefe, negar-se a realizar uma tarefa que esteja dentro das suas funções, desobedecer a ordens da chefia);
- abandono de emprego (ou seja, se o empregado não comparecer mais de 30 dias ao local de trabalho, isto pode ser considerado motivo para a dispensa com justa causa);
- ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (neste caso, agredir ou xingar colega de trabalho ou terceiro, desde que não tenha por motivo a sua própria defesa ou a defesa de outra pessoa);
- ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (mesma hipótese do item anterior, mas aqui se agride alguém da chefia);
- prática constante de jogos de azar: aqui, em geral, entende-se que é preciso demonstrar que a participação reiterada em mesas de baralho ou em apostas, por exemplo, compromete o desempenho do trabalhador, independentemente do caráter lícito ou não do jogo praticado, bem como do momento da prática (se durante ou fora do expediente).
As hipóteses acima esclarecidas são aquelas previstas em lei. A
interpretação de cada uma delas permanece em aberto, sujeita à disputa
em cada caso ou situação jurídica. As exemplificações oferecidas
pretendem apenas esclarecer os textos legais, permitindo que o
interessado possa orientar sua conduta em conformidade com a próprio
compreensão destas diretrizes trabalhistas. Juízes e tribunais, contudo,
poderão sustentar entendimentos bastante diversos e contraditórios
entre si com relação a cada um dos motivos legalmente estabelecidos para
resolução do contrato de trabalho por justa causa. Afinal, inexiste
encaixe perfeito entre textos normativos (leis, decretos, portarias…) e
realidade: a solução judicial de cada caso jurídico poderá, inclusive,
desconsiderar expressas disposições normativas, decidindo os juízes
contra “a lei” ou para além dela.
- Fui dispensado por justa causa. Tenho algum direito legalmente assegurado?
Na dispensa por justa causa, o trabalhador perde o direito a todos os
benefícios previstos em lei para o término do contrato de trabalho. Ou
seja, ele não tem direito a:
- Seguro-desemprego;
- Aviso prévio;
- 13º salário;
- FGTS;
- Multa de 40% sobre o FGTS (que deve incidir na hipótese de dispensa sem justa causa);
- Férias vencidas e férias proporcionais. Em conformidade com a súmula 171 do Tribunal Superior do Trabalho, em caso de demissão por justa causa, o trabalhador deixa de ter direito a recebimento de férias proporcionais, embora não seja raro que juízes de primeiro grau determinem o pagamento deste benefício: trata-se de questão frequentemente disputada judicialmente, nas ações trabalhistas.
Ou seja, o trabalhador dispensado tem direito apenas ao chamado salário família e ao seu salário mensal. O empregador tem até 10 dias após a notificação da dispensa do empregado para efetuar o pagamento dessas verbas.
Cuidado na hora de assinar sua dispensa por justa causa!
É importante frisar que o empregador só pode dispensar o trabalhador com justa causa se ele tiver provas concretas do
motivo que, segundo ele, levou a essa decisão. É recomendável ao
trabalhador se certificar de que o empregador possui provas dos fatos
que alega como configuradores de justa causa. É ao empregador que cabe
provar tais fatos.
Podem servir como provas o depoimento de testemunhas; imagens de
câmera de segurança ou fotos; boletim de ocorrência; advertências e
suspensões prévias; conteúdos de e-mails funcionais a que tenha acesso o
empregador e que evidenciem, por exemplo, transmissão de informação
sigilosa, dentre outros meios lícitos de demonstrar a ocorrência de fato
configurador de justa causa.
Despedida indireta
O empregado também pode alegar justa causa para pedir o seu
desligamento da empresa. Nestes casos, atribui-se a culpa da resolução
do contrato de trabalho ao empregador, por praticado alguma falta grave
legalmente estabelecida. Motivos para isso podem ser (art. 483 CLT):
a) se o empregador exigir que ele faça um trabalho
extremamente difícil e extenuante, não previsto no contrato de trabalho;
b) se o empregador descumprir a sua parte no contrato (não
efetuando o pagamento de salários por meses a fio ou negando-se a pagar
um benefício previamente acordado);
c) ou se tratá-lo mal, com repreensões e punições sem
motivo, ou praticar atos que façam com o que trabalhador se sinta mal no
ambiente de trabalho (por exemplo, piadas maldosas a seu respeito ou a
respeito de sua família).
Nesse caso, o trabalhador deve ter assegurado direito à indenização pelo término do contrato,
bem como todos os direitos legais correspondentes a uma demissão sem
justa causa: precisará, contudo, provar o cometimento de faltas pelo
empregador que sejam legalmente consideradas como ensejadoras de justa
causa para término do contrato de trabalho (por “culpa” do empregador).