Fiscais flagram trabalho escravo em cruzeiro de luxo
Ostentação contrasta com condições de
trabalhadores. Ao todo, 11 tripulantes foram resgatados em navio da MSC
Cruzeiros, uma das principais do setor.
Santos (SP) – A Secretaria de Inspeção
do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou um grupo
de 11 pessoas em condições de trabalho análogas às de escravos no
cruzeiro de luxo MSC Magnifica, pertencente à MSC Cruzeiros. O flagrante
aconteceu em fiscalização conjunta envolvendo diferentes órgãos
realizada no porto de Santos, no litoral de São Paulo, entre os últimos
dias 15 e 16 de março, e o resgate foi feito nesta semana em Salvador
(BA), cidade para onde o navio seguiu depois da primeira abordagem.
Segundo a fiscalização, a empresa se recusou a pagar as verbas
rescisórias e a reconhecer o resgate. Procurada, a empresa afirmou em
nota que “repudia as alegações feitas pelo Ministério do Trabalho e
Emprego” e que “não recebeu nenhuma prova ou qualquer auto de
infração”
A caracterização de escravidão de tripulantes do MSC Magnifica se deu
pela submissão do grupo a jornadas exaustivas sistemáticas, maus tratos e
assédio moral. Há relatos de jornadas superiores a 14 horas.
“Não temos a menor dúvida de que se trata de trabalho escravo”, explica
Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do
Trabalho Escravo (Detrae), do MTE. “Além da escravidão, constatamos
fraudes no cartão de ponto e na contratação dos trabalhadores. A
situação é grave”, resumiu.
Além do MSC Magnifica, outro navio da empresa foi fiscalizado, o MSC
Preziosa, mas apesar de também terem sido constatadas infrações
trabalhistas, não houve flagrante de trabalho escravo. Desde
o começo do ano o MTE monitora os cruzeiros que atravessam o litoral.
Além de auditores fiscais do MTE e procuradores do MPT, a operação que
resultou no flagrante envolveu também representantes da SDH/PR, da
Advocacia Geral da União (AGU) e da Capitania dos Portos, bem como
agentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
procuradores do Ministério Público Federal (MPF). Em Salvador, a
Defensoria Pública da União também acompanhou a ação.
“É preciso dar uma resposta a essa situação. Não é possível que
embarcações venham para águas brasileiras para praticar esse tipo de
abuso com os trabalhadores”, diz o procurador Rafael Garcia, do MPT da
Bahia. Entre os trabalhadores resgatados há até tripulantes com nível
superior e, no entendimento do MPT, a empresa está resistindo ao
pagamento das rescisões por temer uma série de ações e reivindicações
por parte de outros empregados que passam ou passaram por situações
semelhantes. “É preciso garantir o pagamento das verbas e a proteção aos
trabalhadores”, afirma Garcia.
Cruzeiros de luxo
Ao longe, os navios impressionam por seus números. São pelo menos 60 metros de altura, o mesmo que um prédio de 20 andares, e 300 metros de comprimento. A bordo, estão cerca de 4.070 passageiros, junto a uma tripulação de 1.305 pessoas, contando funcionários de limpeza, hotelaria, restaurante e oficiais de navegação. O valor mínimo de uma passagem para uma semana de viagem não sai por menos de R$ 1 mil. Os valores cobrados contrastam com as condições constatadas que se escondem no interior de empreendimentos de tal proporção.
Ao longe, os navios impressionam por seus números. São pelo menos 60 metros de altura, o mesmo que um prédio de 20 andares, e 300 metros de comprimento. A bordo, estão cerca de 4.070 passageiros, junto a uma tripulação de 1.305 pessoas, contando funcionários de limpeza, hotelaria, restaurante e oficiais de navegação. O valor mínimo de uma passagem para uma semana de viagem não sai por menos de R$ 1 mil. Os valores cobrados contrastam com as condições constatadas que se escondem no interior de empreendimentos de tal proporção.
Por conta da quantidade de brasileiros empregados nesses navios e da
natureza das violações, a situação preocupa autoridades e o governo
federal. De acordo com a resolução nº71/2006 do Conselho Nacional de Imigração,
pelo menos um quarto dos tripulantes de qualquer embarcação que
permanecer por mais de 90 dias em território nacional deve ser de
brasileiros. Conforme levantamento da associação de empresas do ramo, a
Abremar, em 2013 eram 2,5 mil os brasileiros empregados na área, e cerca
de 3 mil durante o ano de 2012. Não existem dados sobre 2014.
Assédio e problemas frequentes
De acordo com tripulantes ouvidos pela Repórter Brasil,
casos de assédio são frequentes no dia a dia das embarcações,
principalmente enquanto estas se encontram em alto mar. Como resposta
aos problemas enfrentados, familiares, amigos e vítimas de abusos
fundaram a Organização de Vítimas de Cruzeiros no Brasil (OCV-Brasil).
A associação atua no sentido de prevenir outras violações e proteger os
trabalhadores do setor. Em 2013, articulou junto ao Senado Federal um
Projeto de Lei que fortalece a garantia de direitos aos tripulantes
brasileiros desses tipos de navios. A proposta segue em trâmite pelo
nome de PLS 419/2013.
Segundo um levantamento da OCV sobre assédio sexual no interior dos
navios de cruzeiro com base em dados coletados com policiais e agentes
de fiscalização dos Estados Unidos da América (EUA), foram pelo menos
1.429 violações do tipo em águas estadunidenses, no período compreendido
entre 1998 e 2012. Sobre ocorrências em águas brasileiras ainda não há
dados específicos, mas há um cálculo que soma mais de quatro casos de
tripulantes mortos ou desaparecidos em cruzeiros.
Há relatos sobre oficiais que se valem de seu posto de superioridade
para realizar atos de agressão sexual, cujas vítimas, na maioria, são
mulheres. Entretanto, a violência não se restringe a aos tipos
explícitos e também pode ocorrer de maneiras mais sutis, conforme os
relatos obtidos.
Quando trabalhadores queixam-se da carga de trabalho ou de um
eventual desrespeito por parte de superiores, existem algumas práticas
usadas com frequência. “Nesses casos, costumam nos colocar em um horário
que é próximo do fim do expediente, mas no qual ainda chegam clientes.
Assim, temos de estender o trabalho por mais horas para atendê-los”,
afirma um tripulante. Segundo apurou a fiscalização, esse tempo a mais
não é registrado como extra, muito menos descontado de um banco de horas
dos funcionários.
“É comum que isso ocorra quando nos queixamos. Em alguns casos, só
pelo fato de nos verem conversando com fiscais da polícia ou do governo,
mesmo em inspeções de rotina, já ficamos marcados e temos de passar por
esses constrangimentos”, acrescenta o trabalhador. “Quando a gente
assina a hora-extra, eles não consideram. Nosso cartão de ponto é
alterado”, completa.
Pelo tempo excessivo de serviço, os trabalhadores reclamam que, com
frequência, tampouco encontram tempo para limpar seus alojamentos. “Por
vezes, ficamos muito tempo sem conseguir arrumar nosso quarto”, conta um
tripulante. Em alguns casos, eles recorrem a serviços por fora, quando
pagam a algum colega de folga para fazer a limpeza dos dormitórios. Os
quartos, aliás, também encontram outro correspondente cinematográfico,
para a maioria dos tripulantes. Mas, dessa vez, em Groucho Marx (veja a
cena na sequência).
Vigiar e punir
Com o entra e sai de diversos ambientes e o choque térmico, pela troca brusca de temperaturas, não raro se multiplicam problemas de dor de garganta, resfriados ou gripe entre os tripulantes. Quem fica doente ou sente algum tipo de mal-estar recorre à enfermaria da embarcação.
Com o entra e sai de diversos ambientes e o choque térmico, pela troca brusca de temperaturas, não raro se multiplicam problemas de dor de garganta, resfriados ou gripe entre os tripulantes. Quem fica doente ou sente algum tipo de mal-estar recorre à enfermaria da embarcação.
Quando necessário, a licença médica é observada aos tripulantes que
necessitam ficar de repouso. No entanto, nesses casos, é obrigatório aos
trabalhadores licenciados ficarem dentro de seu alojamento. Não lhes é
permitido, mesmo quando a embarcação se encontra ancorada em algum
porto, que desembarquem ou circulem por outras áreas do navio.
Fonte: reporterbrasil.org.br