sexta-feira, 4 de abril de 2014

Ficais do Trabalho em Ação no navio Preciozza, da MSC. Flagrante de trabalho degradante/ condição análoga à de escravidão.

Fiscais flagram trabalho escravo em cruzeiro de luxo

Ostentação contrasta com condições de trabalhadores. Ao todo, 11 tripulantes foram resgatados em navio da MSC Cruzeiros, uma das principais do setor.

Santos (SP) – A Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou um grupo de 11 pessoas em condições de trabalho análogas às de escravos no cruzeiro de luxo MSC Magnifica, pertencente à MSC Cruzeiros. O flagrante aconteceu em fiscalização conjunta envolvendo diferentes órgãos realizada no porto de Santos, no litoral de São Paulo, entre os últimos dias 15 e 16 de março, e o resgate foi feito nesta semana em Salvador (BA), cidade para onde o navio seguiu depois da primeira abordagem. Segundo a fiscalização, a empresa se recusou a pagar as verbas rescisórias e a reconhecer o resgate. Procurada, a empresa afirmou em nota que “repudia as alegações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego” e que “não recebeu nenhuma prova ou qualquer auto de infração”


             A caracterização de escravidão de tripulantes do MSC Magnifica se deu pela submissão do grupo a jornadas exaustivas sistemáticas, maus tratos e assédio moral. Há relatos de jornadas superiores a 14 horas. “Não temos a menor dúvida de que se trata de trabalho escravo”, explica Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), do MTE. “Além da escravidão, constatamos fraudes no cartão de ponto e na contratação dos trabalhadores. A situação é grave”, resumiu.

             Além do MSC Magnifica, outro navio da empresa foi fiscalizado, o MSC Preziosa, mas apesar de também terem sido constatadas infrações trabalhistas, não houve flagrante de trabalho escravo. Desde o começo do ano o MTE monitora os cruzeiros que atravessam o litoral. Além de auditores fiscais do MTE e procuradores do MPT, a operação que resultou no flagrante envolveu também representantes da SDH/PR, da Advocacia Geral da União (AGU) e da Capitania dos Portos, bem como agentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e procuradores do Ministério Público Federal (MPF). Em Salvador, a Defensoria Pública da União também acompanhou a ação.
“É preciso dar uma resposta a essa situação. Não é possível que embarcações venham para águas brasileiras para praticar esse tipo de abuso com os trabalhadores”, diz o procurador Rafael Garcia, do MPT da Bahia. Entre os trabalhadores resgatados há até tripulantes com nível superior e, no entendimento do MPT, a empresa está resistindo ao pagamento das rescisões por temer uma série de ações e reivindicações por parte de outros empregados que passam ou passaram por situações semelhantes. “É preciso garantir o pagamento das verbas e a proteção aos trabalhadores”, afirma Garcia.
Cruzeiros de luxo
          
Ao longe, os navios impressionam por seus números. São pelo menos 60 metros de altura, o mesmo que um prédio de 20 andares, e 300 metros de comprimento. A bordo, estão cerca de 4.070 passageiros, junto a uma tripulação de 1.305 pessoas, contando funcionários de limpeza, hotelaria, restaurante e oficiais de navegação. O valor mínimo de uma passagem para uma semana de viagem não sai por menos de R$ 1 mil. Os valores cobrados contrastam com as condições constatadas que se escondem no interior de empreendimentos de tal proporção.
             Por conta da quantidade de brasileiros empregados nesses navios e da natureza das violações, a situação preocupa autoridades e o governo federal. De acordo com a resolução nº71/2006 do Conselho Nacional de Imigração, pelo menos um quarto dos tripulantes de qualquer embarcação que permanecer por mais de 90 dias em território nacional deve ser de brasileiros. Conforme levantamento da associação de empresas do ramo, a Abremar, em 2013 eram 2,5 mil os brasileiros empregados na área, e cerca de 3 mil durante o ano de 2012. Não existem dados sobre 2014.



Assédio e problemas frequentes
                De acordo com tripulantes ouvidos pela Repórter Brasil, casos de assédio são frequentes no dia a dia das embarcações, principalmente enquanto estas se encontram em alto mar. Como resposta aos problemas enfrentados, familiares, amigos e vítimas de abusos fundaram a Organização de Vítimas de Cruzeiros no Brasil (OCV-Brasil).           
             A associação atua no sentido de prevenir outras violações e proteger os trabalhadores do setor. Em 2013, articulou junto ao Senado Federal um Projeto de Lei que fortalece a garantia de direitos aos tripulantes brasileiros desses tipos de navios. A proposta segue em trâmite pelo nome de PLS 419/2013.
          Segundo um levantamento da OCV sobre assédio sexual no interior dos navios de cruzeiro com base em dados coletados com policiais e agentes de fiscalização dos Estados Unidos da América (EUA), foram pelo menos 1.429 violações do tipo em águas estadunidenses, no período compreendido entre 1998 e 2012. Sobre ocorrências em águas brasileiras ainda não há dados específicos, mas há um cálculo que soma mais de quatro casos de tripulantes mortos ou desaparecidos em cruzeiros.
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             Trabalhadores relataram abusos e maus tratos
Há relatos sobre oficiais que se valem de seu posto de superioridade para realizar atos de agressão sexual, cujas vítimas, na maioria, são mulheres. Entretanto, a violência não se restringe a aos tipos explícitos e também pode ocorrer de maneiras mais sutis, conforme os relatos obtidos.
             Quando trabalhadores queixam-se da carga de trabalho ou de um eventual desrespeito por parte de superiores, existem algumas práticas usadas com frequência. “Nesses casos, costumam nos colocar em um horário que é próximo do fim do expediente, mas no qual ainda chegam clientes. Assim, temos de estender o trabalho por mais horas para atendê-los”, afirma um tripulante. Segundo apurou a fiscalização, esse tempo a mais não é registrado como extra, muito menos descontado de um banco de horas dos funcionários.
“É comum que isso ocorra quando nos queixamos. Em alguns casos, só pelo fato de nos verem conversando com fiscais da polícia ou do governo, mesmo em inspeções de rotina, já ficamos marcados e temos de passar por esses constrangimentos”, acrescenta o trabalhador. “Quando a gente assina a hora-extra, eles não consideram. Nosso cartão de ponto é alterado”, completa.
            Pelo tempo excessivo de serviço, os trabalhadores reclamam que, com frequência, tampouco encontram tempo para limpar seus alojamentos. “Por vezes, ficamos muito tempo sem conseguir arrumar nosso quarto”, conta um tripulante. Em alguns casos, eles recorrem a serviços por fora, quando pagam a algum colega de folga para fazer a limpeza dos dormitórios. Os quartos, aliás, também encontram outro correspondente cinematográfico, para a maioria dos tripulantes. Mas, dessa vez, em Groucho Marx (veja a cena na sequência).


Vigiar e punir
        
Com o entra e sai de diversos ambientes e o choque térmico, pela troca brusca de temperaturas, não raro se multiplicam problemas de dor de garganta, resfriados ou gripe entre os tripulantes. Quem fica doente ou sente algum tipo de mal-estar recorre à enfermaria da embarcação.
         Quando necessário, a licença médica é observada aos tripulantes que necessitam ficar de repouso. No entanto, nesses casos, é obrigatório aos trabalhadores licenciados ficarem dentro de seu alojamento. Não lhes é permitido, mesmo quando a embarcação se encontra ancorada em algum porto, que desembarquem ou circulem por outras áreas do navio.
 Fonte: reporterbrasil.org.br